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Tatiana Zylberberg

Entre carteiras e as possibilidades da aprendizagem de algo mais

Quatro paredes brancas. Tempo demarcado. Nos limites daquelas carteiras, um a um os estudantes vão se acomodando. Talvez pudéssemos dizer, incomodando. As carteiras de salas de aula, por longas horas, provocam desconforto, não acomodação. Mesmo assim, nos diferentes níveis educacionais, mantemos uma educação de pessoas sentadas, pessoas-carteira. Permanecer imóvel é um dos testes de resistência social pelos quais passamos anos a fio. Esta é uma das possibilidades negadas: aprender com conforto.


Conheço professores que compreendem que a imobilidade é sinal de respeito e que aprendem melhor, aqueles estudantes que ficam parados por longas horas como se estivessem concentrados no que você fala. Por que não pensamos em locais de aprendizagem nos quais possamos estar nas mais variadas posições? Que possamos trocar de lugar ou plano quando o nosso corpo pedir um outro jeito para estarmos mais atentos e abertos? Que possamos sentar no chão ou deitar?


Ah… isso sem falar no desejo de paredes coloridas: o calor da cor parece mexer com o significado do espaço de aprendizagem. É como se o branco profundo e a carteira fixa resultassem em uma combinação sufocante. Alguns estudantes aguardam “algo mais”, de forma silenciosa e contida, outros imploram por liberdade em alta voz. Observe como eles ficam, quando o seu olhar não está no controle autoritário…


Existem pessoas que aprendem apenas ouvindo. Aprendem porque foram treinadas à escuta contínua, mesmo no desconforto. Mas a geração da sincronia quer estar em todos os locais ao mesmo tempo. É comum estarem em suas carteiras curtindo algo nas redes sociais, como o facebook, enquanto o professor está ministrando sua aula. A geração da sincronia, da troca instantânea de mensagens, da velocidade das informações, dos conteúdos multimídia, é uma geração da desterritorização (Lévy,1998). Não sei o quanto estes estudantes de múltiplos potenciais se reconhecessem sentados, sentados e sentados numa carteira, encaixada num quadrado. Em alguns lugares, elas são fixas, literalmente presas ao chão. Deste contexto, emerge outra possibilidade negada: aprender com todos os sentidos.


– Fechem os olhos para ver! Vamos, todos vendados. Escutem para escrever sem pensar. Dancem para mostrar que leram o texto. Chorem, se tiverem vontade, o filme realmente nos provoca. Podem rir, a alegria nos inspira. O que vocês compreenderam do texto? Entreguem uma poesia…


– Mas o que você quer exatamente, professora?


– Não quero uma educação do exatamente. Quero a sua compreensão, da forma que quiser demonstrar que aprendeu. Pode teatralizar, pode criar um blog, pode compor uma música. Aquilo que você faz fora da sala de aula, o jeito que escolhe para se comunicar pode ser trazido para cá. Estou te dando liberdade, de escolha, inclusive.


Anos de reprodução explícita e com reincidente impossibilidade de criar, tem marcado uma geração que, ao se deparar com a liberdade, fica paralisada sem saber o que escolher. “Mas como é para fazer?”. Qual o efeito devastador de anos de educação na carteira e na repetição de um jeito de explicar o conteúdo? Podemos ter salas coloridas e sem carteiras, só que “apenas isso” não garante a liberdade.


Às vezes leva tempo… mas quando os estudantes se apropriam desta liberdade, preparem-se! Todos e todas se surpreendem. Quando as janelas estão abertas, algo mais aflora: estudantes e professores se descobrem e se revelam. Produções densas, criativas e instigantes. Olhos atentos de brilho transbordante.


Uma educação que transforma não ocorre, exclusivamente, por monólogos. Ocorre também no compartilhamento e na inquietude. Estejamos abertos a aprender pelo diálogo, como instiga Bohm (2008). Esta é outra possibilidade que não pode continuar sendo negada.


Estamos olhando para as salas de aula como espaços para que? Para imobilidade? O silêncio forçado? Para a escuta passiva? E o movimento? E a criatividade ou a autoria dos estudantes? Qual a alternativa que oferecemos para que saiam das carteiras? Das limitações hierárquicas e da predominante relação vertical entre docentes e discentes? Que tal promover uma relação mais horizontal? Que tal criar múltiplas possibilidades de autoria?


Saramago(1995), renomado escritor português, em seu “Ensaio sobre a Cegueira” nos obrigada a parar, fechar os olhos e ver. Sua densa obra nos coloca em contextos nos quais é latente recuperar a lucidez e resgatar o afeto. Ele nos convoca: “Se podes ver, repara”.


Repare nas salas de aula… Percebes? O que vês?


Vamos invocar o acolhimento pleno, experimentar os conhecimentos com todos os sentidos, promover o diálogo, instigar a criatividade e atuar com lucidez.


Além-carteiras!


Experimentem algo mais.


Referências


BOHM, David. Diálogo: Comunicação e Redes de Convivência. São Paulo: Palas Athena, 2008.


LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. 6ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1998.


SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


Tatiana Passos Zylberberg

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