A maioria das crianças quer o novo. Seja tocar, experimentar, interagir. Um fascínio presente no brilho do olhar, no silêncio repentino ou na euforia contagiante. Muitas crianças também desejam (re)ver o conhecido, assistem o mesmo filme ou desenho como um forte desejo de querer, mesmo sabendo o que vai acontecer elas riem, choram, se divertem e chamam as pessoas que estão próximas para ver junto. Uma latente curiosidade as toma por completo. Tudo vira pergunta, a areia da praia vira castelo, o vento traz boas novas, as mais incríveis descobertas são vivenciadas com forte desejo de quero mais.
Como nós vamos reagindo a esses desejos? Por que a curiosidade vai se desfazendo? Por que alguns jovens e adultos vão querendo cada vez menos? Tanto do novo como do já conhecido? Quem já ouviu alguém dizer que não quer aprender determinada disciplina ou tema porque “não gosta” ou “acha difícil”? Por que “simplesmente” nos deparamos com o não-querer-aprender? Como deixamos minar ou morrer o desejo?
No meu último texto – Atenção passageiros! –publicado neste blog em maio de 2013, refleti sobre ensino-aprendizagem a partir da metáfora dos procedimentos de segurança nos voos. Embarco novamente por estes meandros da aviação para falar do “querer aprender”.
Uma prima estava no avião com o filho de três anos. Antes de decolar escutaram juntos a narrativa do tradicional procedimento de segurança: (…) “Em caso de emergência, automaticamente cairá sobre você uma máscara de oxigênio, coloque-a sobre o nariz e a boca, ajustando o elástico em volta da cabeça e respire tranquilamente”.
A aeromoça nem terminou, quando o filho olhou para a mãe e exclamou:
__Mamãe, quero uma máscara!
O risco e medo ainda não fazem parte de seu mundo de menino. Domina a fantasia, a vontade de se transportar para outra realidade, um desejo de querer sem julgamentos. Desejo foi movido pelo mundo mítico dos heróis. Ele queria a máscara para brincar.
Quais as respostas mais habituais?
__ Esta máscara não pode, não é de criança.
__ Isso não é brinquedo…
Ou…
__Esquece isso menino, agora não é hora!
__Fique quieto para não atrapalhar as pessoas.
Quais outras respostas são possíveis? Queremos que o desejo de querer continue? Então devemos escolher cautelosamente as nossas respostas. É preciso apresentar o real, sem destituir de beleza, o imaginário desejante.
Veio agora a nítida lembrança de cenas do filme italiano dirigido por Roberto Benigni, lançado em 1999: A vida é bela. No filme o judeu Guido e seu filho Giosué foram levados para um campo de concentração nazista. Afastado da mulher e com o intuito de protegê-lo do terror e da violência da guerra, o pai teve que usar sua imaginação para fazer o menino acreditar que estavam participando de uma grande brincadeira. Outras cenas marcantes? O filme À procura da felicidade, no qual o ator Will Smith contracena com seu próprio filho. Devido à crise financeira e as perdas sucessivas, ele cria um universo de “faz de conta” para que o banheiro público ou a noite chuvosa e fria, por exemplo, sejam vistos como locais encantados.
Parece que “algo” no mundo faz exatamente contrário: vai destituindo de encanto, de curiosidade, de abertura ao novo.
Eu pelo menos sinto uma vontade enorme de ver as pessoas com profundo desejo de querer aprender. Um querer pleno de curiosidade, ousadia e dedicação. Não se trata de seguir no mundo da imaginação, mas de manter um desejo puro, intenso e verdadeiro de saber mais e melhor sobre algo. De querer aprender o novo e não apenas querer aprender o que se gosta mais. Desejo de querer fazer melhor e não apenas fazer.Desejo de realizar sonhos e não somente projetá-los. Talvez esta seja uma das questões que mais me angustiam na atuação docente: ver os desejos minados, contaminados diria, por uma apatia e pelo desinteresse pelo novo.
Que as nuvens da apatia possam ser levadas pelo vento…e que venha o desejo de querer, tão forte quanto o sertão clama pela chuva.
Tatiana Passos Zylberberg
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